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Publicada em 29 de setembro

“COMPRA-SE OURO”: colete esgarçado e uma placa de plástico

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Um grupo de mais de 30 pessoas uniformizadas espera quem passa pela saída da plataforma superior da Rodoviária de Brasília, na região central da capital. Vestidos com colete e munidos de uma placa de plástico, trabalhadores sem nenhum direito ou benefício repetem por mais de 10 horas o anúncio como um mantra: “compro ouro”.

Na verdade, trata-se de um grupo, um “exército” de desempregados que lutam na mesma guerra. Não são eles que compram ouro. Eles prestam um serviço informal às joalherias dos shoppings Conic e Conjunto Nacional. Trabalham pela promessa de receber (cerca de 10%, segundo eles) uma porcentagem da negociação de pessoas que vendem suas alianças, anéis, brincos e outros objetos. Se não tiver negócio, não tem comissão.

 

Um atendentes de joalherias que se identificou apenas como Wesley confirmou que compra ouro, mas não deixou claro se compra dessas pessoas ou não. “Eu sou a favor que eles saiam daqui, porque o que eles fazem é atrapalhar o comércio. Inclusive é muito ruim, porque eles levam clientes meus que já são fiéis para outras lojas concorrentes. A gente aqui já fez até abaixo assinado para tirarem eles, mas não adiantou.”

Outros responsáveis por joalherias nos dois centros comerciais negaram fazer qualquer negócio com esses trabalhadores das ruas. O fato é que eles continuam lá.

Ivete*, de 47 anos, explica que existe fila dos “anunciantes” (como eles de autodenominam). “Se eu levo alguém e não tem negócio, fico por último. Já é uma 1h da tarde e ainda não comi nada. O almoço custa R$ 10. E hoje não vou conseguir levar nada para casa”, emociona-se a mãe de quatro filhos que mora na Ceilândia, não teve almoço e o café não foi reforçado. “Chega a essa hora e fico com muita fome. Pretendo ficar aqui até umas sete da noite”.

O caminho para casa é longo. Mais de uma hora de ônibus. Naquela semana, ela conseguiu dinheiro emprestado com uma amiga para pagar a condução diária. A trabalhadora encerra conversa. Não pode perder o local na fila. Está desesperada. Tem contas para pagar.

Do outro lado da rua, mas ainda de frente à rodoviária, Laudicéia da Silva Matos, 34, mãe de 6 filhos, divorciada, prefere não seguir a fila. Mas acaba tendo menos clientes. Escorada na estrutura de cimento do viaduto que passa por cima do Buraco do Tatu (de onde é possível avistar a Esplanada dos Ministérios), ela explica que  acorda às cinco e meia da manhã e se arruma para o trabalho.

Vaidosa, coloca o batom vermelho, pinta os olhos, veste o colete vermelho. “Precisamos vender bem nosso produto”. Ela fica 40 minutos dentro do ônibus, da Ceilândia Norte até o Plano Piloto.  Todos os dias chega no posto de trabalho às sete horas da manhã e só sai junto com sol. São quase de 12 horas de trabalho, sem direito a transporte ou alimentação. “Aqui cada um chega a hora que quer. Eu gosto de chegar cedo porque quanto mais cedo a gente chega, mais a gente faz”.

Laudicéia está há 12 anos em trabalhos informais como esse.  Há cinco anos não consegue trabalho de carteira assinada. “Dificuldade a gente passa. Nem sempre tem tudo que uma criança precisa dentro de casa, como fruta, iogurte, essas coisas que criança gosta. Mas, o grosso eu consigo comprar (...) Meu sonho é conseguir um trabalho fechado.”

Paulo*, de 71 anos, é aposentado, morador do Céu azul em Goiás faz um caminho de 50 minutos de ônibus para chegar no trabalho.  “Sem engarrafamento, mas pode levar até duas horas com engarrafamento”, explica. Pai de dez filhos entre os de sangue e enteados “tenho treze netos, vai completar 14 e já tenho até bisneto! Graças à Deus!”, fala cheio de orgulho com sorriso no rosto.

O trabalhador diz que continua firme porque gosta de trabalhar. “Ainda que eu ganhasse muito eu ia trabalhar também”, conta já estar cansado, mas diz que quer continuar trabalhando até quando puder “Meu divertimento é trabalhar”.

Nascido no Ceará, Paulo vive no Distrito Federal há quase 46 anos e diz que apesar de não ter conseguido nada aqui, declara-se feliz “assim mesmo”. Há 12 anos trabalha com função de intermediar a compra de ouro “eu sou só um anunciante”. Tem dia que dá e tem dia que não dá. “Hoje mesmo só ganhei 25 reais, mas amanhã é um novo dia”, declara. Quando questionado se ele se sente explorado, ele diz “sou eu quem exploro de mim”.

Mais a frente vimos Fernando*, 35, apoiado sobre duas muletas, com o pé engessado e colete vermelho. Machucado por acidente de carro, não perde o dia de trabalho “Se eu ficar em casa ninguém vai pagar minhas contas”, explica. Conta que começou a trabalhar aos doze anos na feira, parou de estudar no segundo ano do ensino médio de lá para cá foi pizzaiolo, chapeiro, arrumador, carpinteiro e há três anos adotou o colete vermelho como uniforme de trabalho, todos os dias mesmo com a perna machucada marca ponto no trabalho.   

Do outro lado da rua, na rodoviária está João*, 26, pai de duas crianças: um de 5 e outro de 1 ano. “Aqui só não dá um jeito quem não quer”, diz.

Com a mão apoiada na cintura e perna cruzada como se descansasse um pouco um dia inteiro de trabalho em pé, ele relata que divide seu tempo entre duas funções. Durante o dia trabalha na rodoviária intermediando o contato entre clientes e lojas. Pelas madrugadas, ele exerce a função de ourives, na sua oficina em casa. Lembra que aprendeu a função observando os trabalhos nas lojas onde oferece serviço do “compro ouro”.

Com uma grossa corrente de prata no pescoço ele exibe o pingente de Jesus Cristo, “esse aqui fui eu quem fiz”, fala orgulhoso mostrando também as pulseiras feitas por ele. Conta que as usa no dia a dia para mostrar o seu trabalho e atrair clientes.

“Tinha época que a gente levava 12 ou 15 exames num dia, hoje para levar 6 tá difícil”. O jovem diz que trabalha desde os 12 anos de idade, lembra que seu primeiro trabalho foi como empacotador, cumpria seu turno sempre depois da escola. Estudou até o 2º ano do ensino médio e sonha em concluir os estudos, fazer faculdade de design e se tornar um excelente profissional naquilo que ama fazer. “Eu quero ser aquele cara que desenha, põe a mão na massa, crava e entrega.”

Vilma*, 48, cabisbaixa com olhar triste, sapatos de salto, descansa sentada na mureta acima do viaduto por onde passam os carros. O movimento intenso da hora rush marca o fim de mais um dia de trabalho na capital do país. É fim de expediente para Vilma também, só que ela volta para casa depois de um dia de trabalho sem ganhar o dia “aqui a gente tem e não tem, ao mesmo tempo. A gente trabalha, mas pode ganhar ou não ganhar”, diz com o olhar triste.

Conta que foi trabalhar lá como conselho de uma amiga. Quando questionada se gostava do trabalho ela respira fundo e diz “eu já acostumei”.

Ela tinha um pequeno negócio, uma mercearia, que não deu certo, hoje paga as contas com dificuldade e para o aluguel recebe ajuda dos filhos. Se hoje ela pudesse escolher, gostaria de trabalhar fichado.

Perguntamos se ela acha o seu trabalho um pouco de explorador e ela disse “um pouco não, muito! A gente passa o dia todo no sol. Almoço e passagem tudo por nossa conta”. Continua explicando “As vezes a gente consegue tirar uns 70 ou 60 reais no dia, às vezes nada.” Ela relata que no dia a dia é comum receber cantadas e qualquer tipo de proposta, “As pessoas acham que por estarmos aqui, a gente vai querer sair com qualquer coisa”.

O procurador regional do Ministério Público do Trabalho (MPT), Cristiano Paixão, esclarece que, se o trabalho de alguém se reverte em benefício para outra pessoa, esse trabalhador é um trabalhador com vínculo de emprego. “há empregador aí que pode ser uma pessoa jurídica ou ser um condomínio de pessoas jurídicas, mas há um setor da atividade econômica se beneficiando desse trabalho humano”.

 

Ele entende, então, se ele trabalha regularmente para os mesmos beneficiários, é um trabalhador “E tem direito a registro na sua carteira de trabalho como todas as consequências daí decorrentes”.

Cristiano Paixão explica que há órgãos que podem atuar nessas circunstâncias para fiscalizar e punir. “No que desrespeito a regularidade da atividade o Ministério do Trabalho local, a Secretaria Regional do Trabalho ela pode ser ativada para uma fiscalização. Além disso, nós temos o Ministério Público do Trabalho, que é a Procuradoria Geral do Trabalho da 10ª região, que se perceber que existem vários trabalhadores nessa mesma situação, se for uma lesão que não é específica de só um trabalhador isso pode ser investigado pelo Ministério Público”. Ele acrescenta que o próprio trabalhador pode procurar a defensoria pública ou pode procurar o sindicato com o qual ele tenha proximidade em relação a categoria econômica. “Ele particularmente pode entrar com uma demanda diretamente com os seus empregadores”.


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O MPT pode agir de ofício quando é provocado em situações como essas. “Mas ele tem uma limitação constitucional, a lesão tem que ser meta individual, ela tem que suplantar a relação de um indivíduo com o seu empregador, ela tem que envolver um grupo de trabalhadores”.

Quanto a estrutura, o procurador esclarece que é obrigação do empregador seguir as normas de proteção a saúde e segurança no ambiente de trabalho, incluindo vestimenta adequada e não exposição a horas exaustivas de trabalho “por isso, é necessário descobrir quem é o tomador do serviço, quem se beneficia desse trabalho. É esse tomador que é responsável pelas normas de proteção de saúde e segurança do trabalho”.

O procurador explica que qualquer pessoa pode fazer uma denúncia e que sempre haverá um preocupação com a preservação do anonimato do denunciante .“O processo de investigação pode ser instaurado sem a identificação dele, então em tese, qualquer pessoa pode fazer uma denúncia, pode ser um transeunte, um usuário da rodoviária, pode ser alguém que assistiu um programa na televisão. Então, não necessariamente vai recair sobre o trabalhador, que se for ele o denunciante o seu anonimato vai se preservado”

Ele entende que a Reforma Trabalhista que entrou em vigor em novembro de 2017, como um “grande ataque empresarial e de setores da classe política”. Ele afirma também que essa reforma teve um impacto muito negativo nas relações de trabalho, em que situações de explorações acabam sendo facilitadas, desprezando, em alguns casos, as normas de proteção a saúde e segurança do trabalhador.

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Reportagem por Larissa Calixto, Ana Paula Teixeira e Paula Beatriz

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