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Publicada em 29 de setembro

Trabalhadores atuam 11 horas por dia no lixo para separar resíduos no DF

Há quem durma em frente ao depósito para não gastar com condução. Serviço de Limpeza Urbana alega que não há como "garantir melhores condições"

Clique aqui e leia com a sonoridade do local

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Concreto e lixo. Fauna e flora. Tudo se mescla. Nas árvores, sacos misturados às folhas das copas. Pombos ciscam, reviram e circulam o galpão atrás de algo para bicar. O cenário tem a cor de cinzas. O desafio é encontrar onde estão os seres humanos em meio às montanhas de lixo. Mais difícil ainda é encontrar a cidadania deles. Eis o ecossistema "profissional" do Complexo Norte do Serviço de Limpeza Urbana (SLU), local que abriga 53 funcionários que foram convidados a trabalhar em um serviço autônomo há 11 anos pela empresa governamental. A promessa de uma atividade de reciclagem digna se transformou em sonho rodeado por moscas.

Localizado atrás do Acervo Público do Distrito Federal, parte da história da capital é esquecida e rejeitada juntamente com os catadores de resíduos sólidos do local, que recebem parte das coletas feitas no Plano Piloto. Há onze anos, a Associação dos Catadores de Papéis da Asa Sul (ACAPAS) é a responsável por separar os materiais recebidos. Apesar do nome, a associação não lida exclusivamente com papel. 

A subsistência dos catadores depende da quantidade de resíduos que conseguem separar para vender à cooperativa “Capital Recicláveis”. Luzia Borges, 51, que desde 2007 coordena os outros 52 catadores como presidente da associação, alega que, antigamente, recebiam cinco caminhões de resíduos por dia para fazerem a triagem. Hoje é apenas um. “E na marra. Agora terça e sábado a gente não recebe mais”, comenta a presidente.

Segundo ela, o material recebido em um caminhão diário não é suficiente para que os catadores tenham uma quantidade satisfatória individual para trabalhar. Em decorrência disso, poucos catadores continuam a ir diariamente para o galpão: se falta rejeito, falta dinheiro. Não vale a pena arriscar pagar dois ônibus para não trabalhar.

Os problemas continuam na chegada dos resíduos, que não são previamente triados e separados. A “viagem”, como se referem os catadores do local aos caminhões que chegam, traz os rejeitos “misturados e contaminados”. Segundo Luzia, aproximadamente 70% do material que chega dos caminhões é orgânico ou está sujo com gordura e, portanto, é inútil para a venda.

O preço da tonelada dos resíduos varia de material para material. Por mês, os catadores conseguem uma renda de R$ 400 a R$ 500, aproximadamente. Isso se conseguirem a quantidade ideal de material para enviar à reciclagem.

O zumbido do bater das asas das moscas e o cheiro constante de rejeito misturado com lixo orgânico completam os sentidos da floresta. Do alto, o arrulhar dos pombos soa como zombaria do sofrimento dos catadores sob o sol.

Os materiais são separados entre papel, plástico, lata e papelão. Mas outros rejeitos aparecem no meio da montanha de lixo: roupas, sacolas de plástico e papel, chinelos, vidros e resíduos orgânicos ou caseiros compõem o cenário. Mesmo lixo hospitalar já foi encontrado no local, segundo os catadores. Esquecidos, não recebem luvas ou botas para trabalhar com os rejeitos. Esses utensílios são eventualmente encontrados no próprio lixo e utilizados pelos catadores. Não há prensas ou trituradores para os materiais recolhidos.

LUZIA

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Luzia é presidente da Associação há 11 anos e coordena os outros 52 catadores.

LEANDRO

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Leandro Borges, filho de dona Luzia, não conhece outra vida que não seja a de catador. Desde pequeno acompanha a mãe na coleta de materiais. Antes na rua, hoje no galpão do SLU. Com um senso crítico herdado na mãe, o homem de 34 anos é quem conta as dificuldades causadas pela infraestrutura do local. Uniformizado, o engajado catador da associação guia o caminho entre os “bags” e outros rejeitos para mostrar a precariedade do local de trabalho.

O catador relata ainda as consequências da falta dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Cortes com vidro e mal-estar são comuns, conta. De acordo com a Lei nº 6.514 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), os EPIs são instrumentos para garantir aos trabalhadores segurança mínima, a fim de evitar acidentes.

A dificuldade de conseguir material reflete na renda de cada catador. Leandro, por exemplo, para economizar com ônibus, optou por dormir em frente ao local de trabalho numa barraca improvisada. Com apenas um colchão e travesseiro, ele passa as noites de segunda a sexta-feira no pequeno alojamento de 3 m². E, aos fins de semana, volta para casa e descansa mais para a próxima segunda-feira.

SANDRA

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Sebatiana Leite, conhecida como Sandra, e o marido, José Gilvan dos Santos começaram a trabalhar juntos no local.

Sebastiana Leite, 48, apelidada de Sandra desde a infância, trabalha na ACAPAS há 10 anos. O rosto avermelhado pelo sol tenta se esconder dos raios de luz com um boné azul e uma balaclava amarela de um kart brasiliense. Por baixo de uma camisa preta de mangas longas esconde os braços e veste a camiseta verde da associação. Protege as mãos com duas luvas finas de látex; uma amarela e outra cinza. À sombra de um guarda-sol azul e branco para aliviar o calor, a mulher separa os materiais. Vidro junto com os orgânicos, garrafas plásticas junto com outras "pets". Todo o conjunto à volta colore o ambiente, em contraste com a insalubridade do galpão. 

 

Antes de ir para o Complexo Norte do SLU, Sandra trabalhava como doméstica, mas precisou encontrar outra ocupação. “Não tinha serviço; eu não encontrava. Aí eu vim pra cá. E como no começo era melhor, eu fiquei. E agora que tá ruim eu fiquei também, do mesmo jeito”, comenta.

 

Ela espera que o serviço melhore ou que pelo menos volte a ser como antes. “Agora falta material pra gente trabalhar e, quando vem carga, é mais é comida, garrafa (de vidro), essas coisas [...] Falta sempre material pra gente”. E ela faz críticas ao material misturado com os resíduos orgânicos. “O pessoal que trabalha nos coletores (os que recolhem os rejeitos caseiros) ganham é por peso. Então eles enchem o caminhão de comida, de garrafa pra poder ganhar no peso. Aí quem sofre com isso é a gente aqui”.

Todos os dias, são R$ 10,80 para ir e voltar de ônibus ao distrito de Jardim do Ingá, em Luziânia (GO) onde mora. A cidade fica a aproximadamente a 52 km do galpão. Toda semana, portanto, são R$ 54. “É por isso que tanta gente não vem. Eles têm que guardar pelo menos uns R$ 100 de passagem. Aí a gente vai avisando pelo telefone quando chega a carga”.

Sebastiana tem hanseníase, doença de pele degenerativa, mas não consegue se preservar dos esforços no trabalho.

Reportagem por Vitor Mendonça 

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