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Qualificação perante
a lei
Polêmicas no camarim e na justiça

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No Brasil, o trabalho Infantil (menores de 14 anos) é proibido. No entanto, existe uma brecha na legislação que permite, de forma polêmica, que  crianças atuem profissionalmente. Justamente na arte. Essa visão é amparada por direcionamento da Convenção 138 da Organização Mundial do Trabalho (OIT). No Brasil, pode ser autorizado pela vara responsável.

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Apesar disso, a cartilha “Trabalho Infantil e Justiça do Trabalho”, publicada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), preza pela criação da cultura de não autorização desse tipo de ocupação, a fim de evitar que o número de crianças precocemente inseridas no mercado de trabalho aumente, mesmo que artístico.

Segundo o advogado especialista em direito trabalhista Paulo Rená, a criança deve ser protegida segundo uma previsão da Constituição de 1988 que estabelece como dever de toda a sociedade assegurar os valores morais da família e da sociedade. Sendo assim, os juízes responsáveis pela autorização de tais trabalhos deveriam seguir essa definição legal. “O juiz tem que garantir que esses valores estejam intactos. Claro que cabe muita coisa dentro desses valores, mas no estado democrático de direito, o mais adequado é entender que os valores morais em questão são os mais plurais e diversos possíveis”, explicou o advogado.

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O especialista acrescenta que nenhuma criança ou adolescente pode trabalhar em condições insalubres ou que a prejudiquem no que diz respeito ao desenvolvimento social dela. Ou seja, em ambientes que ofereçam perigos físicos, mentais ou que fujam do horário comercial, como por exemplo, bares ou casas noturnas.

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Outro parâmetro que pode iluminar o caminho do juiz na hora da decisão é a classificação etária indicativa do trabalho no qual a criança pretende trabalhar. “Essa classificação é indicativa, não obrigatória. O pai pode decidir se o filho pode assistir ou não a uma programação. O juiz poderia ter como parâmetro que, nas cenas que ela participa, seriam definidas com a classificação indicativa, por exemplo”, afirma. O professor ainda explica que, no âmbito da publicidade e campanhas infantis, a classificação etária também é indicativa, ou seja, não obrigatória. Sendo assim, não há critério óbvios para que o juiz siga nesses casos. “Nesses casos, o juiz fica sem parâmetro e aí caímos naquele senso comum de que ‘cada cabeça, uma sentença’.  Em todo caso, é importante salientar que essa discussão no Brasil é recente historicamente falando. Tem muito que crescer que debater e as próprias famílias entenderem o papel delas nessa missão”.

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“Casos de publicidade e campanhas infantis têm também uma grande questão de não submeter crianças e adolescentes a pressões mercadológicas”, critica.

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“Quando se cria um filho trabalhando à noite, você não sabe como seria a vida dele se não tivesse trabalhado ou se tivesse trabalhado de dia”
A autorização

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Segundo o advogado, juízes de varas da infância e da adolescência são os mais aptos para autorizar o trabalho, porém como não há varas como essa em todas as cidades do Brasil, a autorização pode se movimentar para outro juízo. Aos olhos do advogado, trabalhos que podem, eventualmente, serem autorizados seriam aqueles que não trazem prejuízos para o desenvolvimento natural de uma criança, como trabalhos voluntários ou autônomos. “Uma criança pode empreender sua própria barraquinha de suco de limão. Pode desde que não tenha vínculo contratual com alguém”, explica.  

É entendida como uma exceção das possibilidades legais que permite que uma criança exerça um trabalho tendo uma relação emprego, segundo Paulo Rená. Ele explica que, inclusive, o trabalho infantil artístico vai além de uma relação que necessite de um contrato escrito. “Do direito do trabalho, a gente se pauta pelo princípio da primazia da realidade. A primazia da realidade vai dizer que a existência ou não de um contrato formal escrito é irrelevante para caracterizar uma prestação de serviços como uma relação de emprego ou não. O importante é o que acontece de verdade”, explica.

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Abuso do trabalho infantil

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Quando a criança já está exercendo o serviço e o mesmo é inapropriado, o juiz deve ordenar a cessação imediata do trabalho. Segundo Rená, a legislação não é punitiva para quem descumprir com os direitos da criança e do adolescente. Os pais da criança podem ter um auxílio para que compreendam o porquê daquele trabalho ser negativo para a criança e, se o trabalho for uma questão financeira, os pais seriam aconselhados a utilizar de políticas públicas para suprir as suas necessidades. Na mais extrema das hipóteses, os pais podem perder a tutela dos filhos.

“Deve-se respeitar o ECA”

 

A assessora jurídica da Federação Nacional das Agências de Propaganda, Helena Zóia, explica que a FENAPRO é responsável por orientar os sindicatos a esclarecer as agências que o trabalho das crianças deve receber uma atenção particular e especial. “Deve-se respeitar as regras do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como as próprias normas contidas no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar)”.

 

Helena Zóia esclarece que a publicidade não pode colocar a criança nas propagandas e campanhas de forma a influenciar os pequenos. “Nós também cuidamos para não desmerecer valores sociais. Nunca mostrar crianças se portando com falta de humanidade”, esclareceu.  O Conar entende que as empresas devem seguir as normas éticas e a legislação sobre o tema.

Possíveis prejuízos e malefícios à saúde

 

Segundo a psicóloga infantil Ciomara Schneider, em um primeiro momento, trabalhar pode ser animador para a criança, mas depois pode causar, a curto prazo, uma certa exaustão e irritação na criança, além de doenças psicossomáticas, como gastrite, úlceras e queda de cabelo devido ao estresse que ela passa. “De qualquer maneira, se ela presta trabalho, ela está sujeita a cumprir com horários, regras, com postura, com aprendizados além do que ela está preparada para receber. Toda a situação da mídia é bem agitada”, analisou.

 

A longo prazo, a psicóloga entende que a criança pode amadurecer muito rápido, devido às responsabilidades com que ela tem de lidar na vida de trabalhador e que existe a possibilidade de, quando chegar a hora de se tornar adulto de fato, a pessoa se tornar mais infantil. “Parece que ela quer viver de novo aquilo que ela perdeu. A gente já viu isso acontecer na história da TV”, comenta. Não são raros os casos em que atores mirins, por exemplo, apresentam transtornos de comportamentos na vida adulta.  Confira entrevista com a psicóloga.

As duas faces do trabalho infantil artístico: elas se entusiasmam no começo, consequências na saúde da pessoa.

O contato com a arte desde cedo pode trazer também aspectos positivos para o desenvolvimento mental da criança. Segundo a profissional, aos olhos da psicologia, é saudável quando a criança aprende algo além do que o esperado, como por exemplo, melhorar sua interação social por meio do teatro. “Ela pode se tornar mais sociável e uma criança desenvolvida em vários aspectos. Sociável e aprendizagens como dança e cultura”, explica. Porém a especialista também critica que esse tipo de envolvimento precoce com o trabalho pode fazer levar a criança a ter problemas muito característicos dos adultos, como lidar com frustrações, cumprir com regras estéticas, dentre outros. “A consequência posterior disso é ela ter que assumir responsabilidades que não deveriam ser dela”.

 

“Isso (estresse) afeta a criança até no sentido dela confundir a sua personalidade artística com a vida real dela”, critica.

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Visão de mundo

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Para a pedagoga Glaucia Brito, o prejuízo que pode surtir no desenvolvimento da criança, depende do grau de envolvimento com o trabalho. “Se ela estiver participando de projetos que demandam muito tempo, pode prejudicar porque ela vai ter menos tempo para se dedicar à escola”, afirmou.

 

A arte abre o leque da visão de mundo para as crianças. Segundo a pedagoga, aliado com uma família bem informada que possa dar suporte e auxílio para as crianças, o trabalho artístico pode ser positivo. “Se o filho participar desse trabalho aliado ao comprometimento com a educação, eu acho que pode funcionar”, explica

 

Para a escritora, jornalista e pesquisadora Suzana Varjão, o problema da criança trabalhar na arte desde cedo é que a representação da infância pode ser prejudicada com o papel da criança no trabalho artístico. Para a profissional, o problema da criança trabalhar na arte desde cedo é que a representação da criança pode ser prejudicada com o papel da criança no trabalho artístico.

 

“A participação é para mostrar o ideal adulto na criança”, explica.


Segundo a especialista, o roteiro pode levar a uma interpretação de um “ideal de criança adulta” no personagem, o que provoca uma “adultização” imprópria para a infância que pode ser vista de forma errônea pelo telespectador. “As representações não refletem a pluralidade delas (crianças) no universo”, criticou.

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